«É azar meu ter vivido o fim do tempo antigo em Portugal e ter vindopara a Índia viver tudo isso outra vez. Nasci tarde ou cedo demais.Entrei na adolescência em 1970, quando a vila onde passei a infânciacomeçava a ser levada pelo progresso. A obliteração da minha terralevou vinte anos. Em Goa, só neste último ano e meio, foicompletamente transformado o caminho entre a minha casa e o sítio onde trabalho. Tudo muda de maneira muito mais brutal, no meio deextraordinária,fealdade e muito sofrimento.,Assisto agora aqui, emmeia década, àquilo que sucedeu em Portugal durante 40 anos. Mas éisto, paradoxalmente, que me permite uma réstia de optimismo: Portugal demonstra que, ao fim de algum tempo, o passado terá sidocompletamente removido e então, finalmente, a paz poderá chegar.Veja-se o caso do Algarve. O Algarve antigo, o Algarve "verdadeiro"que existiu até à década de 1960, esse desapareceu para sempre, mas oAlgarve tornou-se igual ao sul de Espanha ou da França, um"Mediterrâneo" genérico e turístico, limpo e certinho. Autorizo-me àsvezes a esperança, apesar do horror que vejo na Índia em revolução.Espero que o mundo inteiro acabe por ficar igual, banal enormal(izado), melhor do que agora, melhor que o tumulto e acatástrofe da mudança em que tive o azar de viver toda a minha vida,em Portugal e na Índia.»